TIJUCA
Sediada no Morro do Borel, na Usina (extremo da Tijuca, Zona Norte do Rio), a Unidos da Tijuca é resultado da fusão de blocos carnavalescos situados naquele morro e nos vizinhos, da Casa Branca, da Formiga e da extinta Ilha dos Velhacos.
SAMBA-ENREDO
“O Conto de Fados"
Autores: Júlio Alves, Claudio Russo, Jorge Arthur, Silas Augusto, Chico Alves e D’Sousa
Intérprete: Ito Melodia
Um samba fadado
Ao mar do outro lado
A pescar histórias, memória ancestral
Viaja na bruma da branca espuma
Pra encantar no Carnaval
Vai buscar
No vasto oceano o heróico Odisseu
Que além do Egeu não se amedrontou
Com uma rainha tão só e carente
Mulher ou serpente que jurou o seu amor
À beira do Tejo nascia Lisboa
A musa das loas dos seus menestreis
Na praia bravia o ouro escorria
E o guardião emergia das mares
Põe no balaio um punhado de magia
Das divindades que invadiam o lugar
Põe no balaio e amassa com carinho
Que do cacho eu faço vinho
Pra colheita festejar
N'alma do fado mil e uma noites
Doces sabores, velho saber
Sonhos de Sagres foi a Matamba,
Herdar o samba, Ifá, dendê
Portugal das glórias que revelam o passado
Ao monstro que sangrou escravizados
E veio aportar no mar
Que brilha sob o céu de Vera Cruz
Um banho de alfazema que conduz
O santo rosário e o povo de fé
Pra cantar o fado tijucano
Macumbado de amém e axé
Gira baiana perfumada de alecrim
Que a Unidos da Tijuca defuma no benjoim
Roda na gira a saia de linho rendado
Que o fado vira samba, e o samba vira fado
ENREDO
"O Conto de Fados”
Carnavalesco: Alexandre Louzada
SINOPSE
Em um mundo de mitos e lendas, recorremos a Orfeu da Conceição como nosso Aedo, narrador e condutor da história. Descendente do mito grego, ele, que conhece o passado, o presente, e o futuro, ele, que por amor desceu "ao abismo da saudade, aos confins da eternidade", aprendeu a cantar, contar e interpretar histórias, principalmente, as que dizem que nunca existiram. Depois de viajar por muitos séculos, nosso Orfeu, juntando as lendas, tentou fazer um fado, mas quis o destino que saísse um samba fadado ...fadado a contar como as histórias de lá acabaram sendo também as histórias de cá.
1 - Hoje a Tijuca é o pescador de histórias, essas que flutuam nas vagas de um oceano mágico,imaginário, de espumas
que rendam e bordam personagens.
Ó, mar salgado! Quanto de teu sal vem dos "fados" de Portugal? És o mar cantante que dedilha uma lira e versa versos de Orfeu, que entoa tudo aquilo que não se prova existir, que mareja nos olhos do horizonte distante e que, em seu vagar constante, se faz ouvir, "do nada que é tudo", e que cisma em nos contar.
Vai buscar, no tempo distante, "OFIUSSA", o Reino mítico, terra das serpentes que residiu nas épicas linhas do poema de Homero; páginas de feitos heroicos daquele Odisseu, que singrou o mar, fora do azul Egeu, num desvio aventureiro, para além das colunas de Hércules, ao desconhecido para desvendar o mistério de um mágico lugar. Descreve do alto de um castro imponente, a morada encantada da mulher, rainha serpente, fadada à solidão e carente, a governar um povo hostil, temido por todo e qualquer navegante. Diz o destino, fado, por ironia, que ela se deixou seduzir, um dia, por esse tal guerreiro errante e que por ele fez de pedras se erguer uma cidade deslumbrante, Olissipo, Lisboa, disposta à foz do Tejo, que brota do desejo como a cidade de Ulisses em honra ao bravo herói de Tróia visitante. Fado que canta traição e ciúme que se faz eternamente como uma ardente lenda de amor.
Contam suas águas, em melodia, nos acordes dessa lira do delírio, que nessa terra, um dia, se deixou desvendar o segredo guardado das naus fenícias, que serias tu a terra mágica das riquezas escondidas, da prata e do ouro de Ofir.
Foste, então, de sua praia bravia, disfarçada em brumas, de onde esse tal tesouro escorria, o raro metal que luzia no rico trono de Salomão. Seria lá a mina resguardada pelo negro rochedo dos cavalos de Fão, o eterno guardião, que ora se esconde para emergir das marés e proteger-te dos grandes olhos da cobiça.
Eis o desafio do conto que aumenta um ponto.
2 - Permanece o mistério...
Foste, em tempos idos, a terra pisada da grande caminhada dos povos na idade do bronze. Esses que te confiaram a magia druida dos celtiberos e que te apresentaram a crença pagã de primitivas divindades e seus cultos a florescer e festejar primaveras.
Também foste o refúgio dos povos que te ofereceram a celebração do vinho e te trouxeram as cepas para germinar, na fertilidade de seus vales, espalhando, em teu solo, tribos, reinos sem reinado.
3 - Serviste também como palco constante de invasão de impérios ricos e dominantes, e viste a tua terra escrava, por tempos de muito tempo... uma era; mas, que também se levantou altiva, pois lutaste batalhas, forjaste heróis do solo lusitano e triunfaste sob a espada e a coragem do mito herói Viriato - aquele te fez conhecer a breve liberdade e te fez nascer um reino!
Mas um dia, o tempo não te fez estável a gozar da soberania e viveste um novo domínio que se arrastou por longos mil anos. Uma era que modelou costumes, crenças, língua, hábitos e arquitetura; que te dera segredos mágicos, receita de sabores; que compartilhou saberes, encantarias e sortilégios, dando-te o mosaico: um rabisco de tez forte, de traços e de contornos morenos, mouriscos...
Passaram-se centenas de "mil e uma noites" nesse teu "Conto de Fado".....
4 - E finalmente se batizou, como o conhecemos, Portugal; transformaste em reino de vocação e de ímpeto ao mar, pois é, de fato, fado, porque "assim a lenda escorre ao entrar na realidade e, ao fecundá-la, decorre".
"Navegar é preciso", nesse lendário lugar, onde, por mais que se procure diferir, tudo rima com mar, desbravar, invadir, glorificar, com tanto fado de amar, lança homens de coragem ao mar, em velas que se inflam e partem avante, de Sagres, o saber sem par.
Seguindo o caminho sobre as ondas e, assim, conhecer, desvendar, sincretizar mistérios mundo afora. Dos ilês de África, contidos nas conchas do Ifá, lavar a alma, o espírito de aventureiro de sal e de sol, ao vento, percorrer no intento, contornos do Reino de Matamba até as praias de Zanzibar.
E é dessa forma que o Fado, navegador errante, segue o rastro de aroma inebriante, de especiarias distantes, no Índico mar de Samorim, a beijar ardentemente, com gosto de cravo e de canela, a Costa do Malabar. Fado que ainda mais vagueia, rabiscando, nas águas, imagens alheias, palavras soltas que Camões irá juntar e ilustrar naquela famosa viagem, quando os navegantes chegam à Ilha dos amores, grande e bela, e encontram as ninfas a espera, e depois de um descanso profundo, se desvela a "Máquina do Mundo", total explicação da vida, verdade que fora escondida. Ao sabor do vento ou na deriva da calmaria, seu fado desliza lento e tece encontro e conhecimento, da terra da seda, negócio da China milenar... mas, que também vislumbra a miragem de paraísos selvagens, da "ilha de Vera Cruz", de "Pindorama" ou mais além, as terras da aborígene Guiné no desconhecido e longínquo mar da Oceania. Ao longe, sempre e forte, ouve -se a voz do Velho do Restelo, consciência crítica e apelo contra a cobiça desmedida, desvelo, voz que entoa o alerta desse fado, contra a ganância sem fim, a voz de empatia com cada terra conquistada e invadida, voz ainda hoje ouvida.
5 - Esse Fado - que hoje é o nosso canto - vem agora cumprir seu ideal ao revelar, com grandeza e encantos, versos do pequeno, imenso Portugal. Através de seus poetas que descrevem jeitos e maneiras, os nossos descreverão um pouco dessa gente que se espalhou ao mundo e fez da nossa a sua pátria também.
Hoje , assim como o fado, inventamos um mar nessa Tijuca, um vaivém de encanto que se veste, imponente e orgulhosa, a ostentar suas " eiras e beiras", com o seu "Samba Fadado" a se unir num orfeão que ecoa ao cantar esse conto. Vem festejar e te abraçar, perfumada de flores, de alfazema, de cravos e tantas outras cores e 6 se cobrir de encanto, de devoção, de cantaria e de fé num desfile em romaria.
Abençoado Portugal! Que assim seja o vosso nome, por todos os Santos, filhos do seu chão.
Que Fátima, com seu último segredo, nos faz descobrir que também és "Aparecida " e nesse enredo, esse Fado de sambistas" , "Orfeus do Carnaval " és também Oxum e todas as Yabás, porque toda mãe é rainha em oração e todas as crenças se unem em perdão!
E roguemos a Deus que leve os nossos corações com fervor ao seu sagrado Rosário na Cova da Iria, que a sua graça esteja presente, na Unidos da Tijuca, no seu grande dia!
Amém!
Tupana, criador das boas coisas do mundo, reinava no alto do céu na forma de A’at, o sol, enquanto seu irmão oposto, Yurupari, sob a proteção de Waty, a lua, regia as más na escuridão. Assim, as ações entre os dois deuses estabeleceriam o equilíbrio cíclico de Monã, as forças cósmicas geradoras do universo.
Contam que três irmãos, os varões Yucumã e Ukumã’wató e a bela Anhyã-Muasawê, viviam em Nusokén, uma floresta encantada, abundante, onde até as pedras poderiam falar.
Anhyã-Muasawê era a guardiã, a dona de Nusokén, pois detinha o conhecimento das plantas medicinais. Não existia folha que ela não conhecesse o poder. De tão bonita e habilidosa, todos os animais de Nusokén se enamoraram por ela, o que mergulhava seus irmãos no ciúme.
Certo dia, uma cobra verde tomada de amor usou o perfume de uma flor para atrair Anhyã-Muasawê e com apenas um toque em seu pé a fez engravidar. Quando Yucumã e Ukumã’wató descobriram a gravidez indesejada por eles, possuídos pela má energia de Yurupari, expulsaram a irmã e tomaram para si o controle do paraíso Nusokén, a proibindo de voltar. Ela e a criança que nasceria.
Anhyã-Muasawê vai para uma mata distante dar à luz a Kahu’ê, o kurumin mais bonito e alegre que já existiu. Kahu’ê era uma criança prodigiosa, dizem que começou a tagarelar bem cedo. Olhos vivos, atentos para as muitas perguntas que brotavam de sua curiosidade inocente. Fartava-se dos frutos que a floresta com bom grado lhe dava, mas havia uma iguaria que não era permitida a ninguém e que Kahu’ê se apetitou: a castanha da castanheira sagrada de Nusokén. Aquela, primeira, brotada das patas de uma onça e que estava sendo vigiada pela cotia e pelo macaco, Hanuã-Xuin, a mando dos irmãos Yucumã e Ukumã’wató.
Chegando lá, o kurumin arteiro subiu na árvore e saciou a fome até o cair da noite como se dono fosse daquele fruto proibido. Na verdade, era mesmo herdeiro daquelas terras, já que sua mãe seria senhora de Nusokén por direito.
Ao saberem pelos vigias da violação da castanheira sagrada, os tios de Kahu’ê, obsediados pelo espirito da inveja, invocaram Yuyrupari, que se transformou em uma serpente terrível e tirou a vida do pequeno índio.
Anhyã-Muasawê ouviu o grito de longe, correu em socorro a seu filho, mas não pôde evitar o pior. Uma tristeza súbita tomou aquela terra. O mal de Yurupari parecia ter vencido ao exterminar a existência de Kahuê quando os raios de Tupana rasgaram as nuvens. Ao tocarem o solo, falaram ao coração da mãe ferida que aquela maldade se tornaria bênção. Anhyã-Muasawê se transformou num pássaro, levou seu filho para os arredores do rio Maráw, enterrou os olhos do kurumin e os regou com suas lágrimas.
O olho esquerdo plantou em terras amarelas, do qual nasceu uma planta que não prestava. Era o Waraná-Hôp, o falso guaraná. O olho direito, plantado em terras pretas, gerou o Waraná-Sése, o verdadeiro guaraná. Com ele, Anhyã-Muasawê fez um elixir mágico para longa vida ao povo que floresceria das entranhas de Kahu’ê, enterrado embaixo de uma Abiu’rana. Seu ajudante, o passarinho Karaxué, cantava sua mais bela melodia quando Mary-Aypók nasceu do corpo de Kahu’ê. Era o “originador”, o primeiro Mawé. Tupana deu a ele de presente a língua que só era falada pelos seres de bem que o acompanhavam, chamada Sateré, a lagarta de fogo.
O segundo Mawé nascido da criança enterrada foi Wasary-Pót, o irmão gêmeo do “originador”.
Os irmãos cresceram. Mary-Aypók se casou com Ahút-Piã, a filha do papagaio, e concebeu o significado da palavra Mawé, o papagaio falante. Wasary-Pót desposou com Hano’onapiã’hop, filha da arara-piranga, e seus descendentes dariam as mais belas penas para adornar o povo que surgia.
O bendito kurumin Kahu’ê, fruto da união entre a ancestralidade indígena e os animais, renascia em uma raça de pele vermelha como a cor da pele do sagrado Waranã. Estava iniciada a nação Sateré-Mawé, o povo do guaraná. Descendente do fruto que cura as doenças das almas cansadas, dos fracos, que fortalece e devolve a força, a juventude. Revive.
Organizaram-se em clãs, construíram identidade e desenvolveram ritos e mitos regados a guaraná, pintados e gravados com branco do barro taguatinga, preto do jenipapo e vermelho urucum no remo sagrado Puratig.
Do bastão de guaraná ralado criaram o Çapó para beber nas festas, pajelanças e no Waymat, onde as tucandeiras iniciam os jovens para a vida adulta como símbolo de renascimento sob o comando dos Tuxauas.
Porém, não se engane em pensar que Yurupari descansou de sua maldade predatória, que deixou a vida na floresta em harmonia. Ele se fez ressurgir ao longo do tempo em colonizadores, missionários religiosos enviados às aldeias, caçadores, garimpeiros e madeireiros ilegais, grileiros de terras… Pelos desmatamentos e queimadas, os filhos-demônios de pele clara de Yurupari seguem semeando o caos em nome do capetal.
Mas os filhos do guaraná, peles vermelhas do Brasil, são predestinados, pois apenas povos sábios, de espiritualidade elevada, são capazes de reexistirem encantados pelas matas, acaboclados nos terreiros onde bradam sua força e encontrarem com os espíritos infantis de erês e ibejadas que, quando “chegam”, gostam de tomar guaraná.
Assim, completando o ciclo da eterna renovação, enfim o curumim Kahu’ê é elevado ao paraíso prometido Mawé, Nusokén, ou à Jurema, ou à Aruanda, quando na gira as crianças bebem seu guaraná e vão brincar.
Elas são a prova que o espírito do amor é muito maior que o ódio semeado por Yurupari.
Ele não vai vencer. Ele nunca irá nos exterminar.
Yiurupari jamais triunfará.
Bibliografia:
ALVAREZ, Gabriel O. O ritual da Tocandeira entre os Sateré-Mawé: aspectos simbólicos do Waumat. Série Antropológica, Departamento de Antropologia, UnB, Brasília, 2005.
AMORIM, Claudia; PALADINO, Mariana. Cultura e literatura africana e indígena. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2012.
BRITTO, Leonardo Lucas; SOUZA, Sérgio Luiz de. Entre práticas e saberes: Incorporação de encantados na Umbanda. Centro Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa do Imaginário Social, Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho: Revista Labirinto, 2018.
FIGUEROA, Alba Lucy Giraldo. Guaraná, a máquina do tempo dos Sateré-Mawé. Belém: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi – Ciências Humanas, 2016.
FITTIPALDI, Ciça. A lenda do guaraná: mito dos índios Sateré-Maué. São Paulo: Melhoramentos, 1986.
FRABONI, Mauricio. Waraná: o legítimo guaraná dos Sateré-Mawé. In: RICARDO, Carlos A. (Ed.). Povos indígenas no Brasil: 1996-
2000. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2000.
JARDIM, Tatiana. Umbanda: História, cultura e resistência. Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2017.
LORENZ, Sônia M. da S. Sateré-Mawé, os filhos do Guaraná. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 1992.
OLIVEIRA, José Henrique Motta de. Das Macumbas à Umbanda: uma análise histórica da construção de uma religião brasileira. Limeira, SP: Editora do Conhecimento, 2008.
UGGÉ, Enrique. As bonitas histórias Sateré-Mawé. Manaus: Secretaria da Educação e Cultura do Amazonas, 1993.
YAMÃ, Yaguarê. Sehaypóri: O livro sagrado do povo Saterê-Mawé. São Paulo: Editora Peirópolis, 2007.
FICHA TÉCNICA
Fundação: 31/12/1931
Cores: Azul Pavão e Amarelo Ouro
Presidente: Fernando Horta
Carnavalesco: Alexandre Louzada
Mestres de Bateria: Casagrande
Rainha de Bateria: Lexa
Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Matheus André e Lucinha Nobre
Comissão de Frente: Sérgio Lobato
Quadra: Clube dos Portuários – Av. Francisco Bicalho, 47 – Santo Cristo, Rio, RJ Sede - Rua São Miguel, 430, Tijuca – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20530-420
Barracão: Cidade do Samba (Barracão nº 12) - Rua Rivadávia Correa, nº 60 - Gamboa. Cep: 20.220-290