TIJUCA
Sediada no Morro do Borel, na Usina (extremo da Tijuca, Zona Norte do Rio), a Unidos da Tijuca é resultado da fusão de blocos carnavalescos situados naquele morro e nos vizinhos, da Casa Branca, da Formiga e da extinta Ilha dos Velhacos.
SAMBA-ENREDO
LOGUN-EDÉ - SANTO MENINO QUE VELHO RESPEITA
Autores: Anitta/ Estevão Ciavatta/ Feyjão/ Miguel PG/ Fred Camacho/ Luiz Antonio Simas/ Gustavo Clarão/ Diego Nicolau.
Intérprete: Ito Melodia
Reflete o espelho… Orisun
Nas águas de Oxum
À luz de Orunmilá
Magia que desaguou na ribeira
E fez o caçador se encantar
Sou eu, sou eu
Príncipe nascido desse grande amor
Herdeiro da bravura e da beleza
É a minha natureza
A dualidade e o fulgor
De tudo que aprendi
O todo que reuni
Fez imbatível a força do meu axé
Com brilho imenso, desafio o consenso, inquieto e intenso
Sou Logun-Edé!
Oakofaê, Odoyá
Oakofaê, desbravei o mar
Não ando sozinho, montei no cavalo marinho
Abri caminho pro povo de Ijexá
E no rufar dos Ilus
Meu tambor
A fé no Kale Bokun assentou
Na proteção dos meus pais
Ofás e abebés
Sou a Tijuca e seus candomblés
Um lindo leque se abriu
Ori do meu pavilhão
Amarelo ouro e azul pavão
Orixá menino que velho respeita
Recebi sentença de pai Oxalá
Eu não descanso depois da missão cumprida
a minha sina é recomeçar
Logun-Edé
Logun arô!
Logun-Edé losi losi
Eru awô
A juventude do Borel
Desce o morro pra cantar em seu louvor
ENREDO
LOGUN-EDÉ - SANTO MENINO QUE VELHO RESPEITA
Carnavalesco: Edson Pereira
SINOPSE
Logun-Edé – Santo Menino que velho respeita é o enredo da agremiação
Estou aqui para contar a minha história…
1 - Nascente. Olho d’água... Útero do mundo. Numa cabaça mergulhada no fundo do rio turvo, um espelho reflete as múltiplas formas da vida. As águas do rio Oxum fazem nascer, germinar a semente. Grande fertilidade banha as terras negras de Ilexá… Essas águas fluem como itans que se revelam e que se entrelaçam como correnteza que me leva ao meu destino.
2 - Um dia, Oxum emergiu do fundo dessas águas, nadou até a margem, onde desejou ardentemente um belo caçador chamado Erinlé. Famoso por sua beleza bruta, Odé só se interessava pelas mulheres das matas, rejeitava as das águas. Mas ela o amou tanto que quis ter um filho com ele. Consultou Ifá para saber como conquistá-lo. Os búzios revelaram que, para alcançá-lo, Oxum deveria ser selvagem como as folhas e exalar o aroma das fêmeas dos bichos da floresta. Sob uma camada de lama, mel e ervas aromáticas, a rainha se tornou a caça perfeita para o abate. A magia assim se deu: o rio desaguou de tanto desejo, que eu, peixinho, mergulhei no ventre de minha mãe. E, celebrado pelos espíritos superiores do Orun, nasci no Aiyê para cumprir o que, em suas mandalas, determinou o oráculo sagrado.
3 - Pelos veios da savana, ancestrais se levantaram como grandiosos elefantes e me trouxeram marfins como presente. As mais poderosas sacerdotisas da terra me ofertaram deliciosas comidas: axoxô de meu pai e omolokum de minha mãe, mas também muitos lelês adoçados com mel silvestre. E, ao som de ilús bem tocados no ritmo ijexá, toda a gente dançava, reconhecendo que sou de nobre linhagem.
4 - Sim, o grande príncipe herdeiro da raça dos meus pais! Tenho a sensibilidade e a inteligência de minha mãe e a bravura e a esperteza de meu pai. Caçador e pescador, sou minha própria natureza. Eu sou o úmido e o seco, o líquido e o sólido. Represento a neblina que esconde os limites entre os reinos, a areia molhada, o cílio das matas, a floresta, a margem e o fundo dos rios. Sou o único capaz de reunir todos os mundos. Sou o equilíbrio entre os homens e as mulheres. Assim tenho tudo, pois príncipe sou!
5 - E, como recomendam os velhos sábios africanos, foi preciso toda uma aldeia para me educar. Havia um grande mundo a ser desbravado para além dos limites de Ilexá. Recebi de Exu o poder da transformação. Com Ogum, aprendi a forjar minhas armas e armaduras. Com Oyá, entendi como manejar a espada afiada. Obaluayê me orientou como curar as feridas. Ossaiyn me ensinou que, sem as folhas, é impossível seguir. Ewá me deu o poder da camuflagem. Tudo isso me fez merecer o meu nome: Ologun-Edé, O Senhor das Guerras de Edé!
6 - Quando houve a guerra entre o Império de Oyó e Daomé, Ilexá foi atingida e, por isso, ainda jovem, me encantei. Os inimigos queriam desafiar a riqueza e a prosperidade de nosso povo, humilhar nossa altivez e realeza, controlar as águas com as quais nos nutríamos, escravizar nossos corpos, vender nossa liberdade como objetos úteis.
7 - Para superar isso tudo, nos refugiamos em Abeokutá, onde, sob a luz da Lua, Iemanjá, a senhora do rio que corre para o mar, nos deu na foz uma estratégia de sobrevivência: na presença dos demais peixes, uma tropa de cavalos-marinhos. Entre os jovens encantados, cavalgamos o enorme oceano em direção à outra margem do espanto atlântico. Adeus, Ilobu, das savanas e planícies férteis de meu pai Erinlé! Adeus, Oxogbô, do rio caudaloso de minha mãe Oxum!
8 - Aportamos nas praias brasileiras. Novo Mundo, povo estranho conhecemos. Mas quem pode partir as águas e contar as folhas? Não seremos repartidos pela escravidão! E, quando rufaram os ilús dos primeiros candomblés, renasci na cabeça dos Reis e Rainhas de um Príncipe Coroado. Pois eu sou o segredo, filho do Rei da Nação Ketu e da Rainha da Nação Ijexá. Quando as mulheres clamavam a minha mãe pela esperança de ter filhos, riquezas e sucesso nos negócios, eu estava. Quando os homens clamavam ao meu pai por liberdade, prosperidade e fartura, eu também estava.
9 - E assim sou cultuado nos axés do Brasil, terra e água que deram lugar ao meu reino. Com Severiano, ergui, na Bahia, a casa do Kalé Bokum. Com Zezito, minha força chegou ao Rio de Janeiro, onde desembarquei com a Corte Real Ijexá. Estou presente em todos aqueles que reconhecem que sou “santo menino que velho respeita”, como falou Mãe Menininha do Gantois. Zelo pela minha nobreza e pela do meu povo, através dos ensinamentos que levam meus filhos e filhas ao melhor destino.
10 - Estou nos assentamentos, idés, otás e ibás que sustentam a vida dos que me seguem. Ergam seus ofás, abebés e balanças! Busquem comigo a solução das causas impossíveis! Depois, façam festa! Saiam em cortejo ao toque de afoxés! Celebrem estar vivos! Curtam, dos velhos às crianças, a jovialidade que emana do meu mistério. Exibam seus axés em praça pública! Contem minha história! E reconheçam o destino que o velho Orunmilá me determinou.
11 - Eu sou a força da juventude no tempo. Estou no presente e daqui olho para o futuro. Estou no passado e de lá resgato as tradições. Estou no futuro em que meu legado é imortal! Eu nunca morro. Eu sou o horizonte para as novas gerações, a continuidade da vida. Eu sou o sopro que toca os ouvidos de cada um, quando inspiro seus desejos.
12 - Também estou no desafio aos limites. Neste mundo de afrontas, sou o combate à humilhação das pessoas subalternizadas, empobrecidas e constrangidas simplesmente por existirem. Ousadia é meu nome contra os que negam uma vida plena e digna aos jovens pretos.
13 - Jovens, sejam altivos como o pavão, exibindo sua nobreza. Sejam versáteis como o camaleão, afrontando e, baphônicos, existindo. Sejam leves como os pequenos pássaros, cantando para serem ouvidos. Sejam espertos como a lebre, dançando, encantando e quebrando tudo. Sejam ferozes como o leopardo, lutando imponentes contra os que caçam suas vidas e as descartam.
14 - Pois isso é ser cria: ser honrado pelos “meus consagrados” mais velhos por onde eu passo. Sou o orgulho dos que já nos deixaram e a esperança para o dia de quem ainda vai chegar.
15 - Amarelo ouro, azul-pavão. Cumpro o meu destino pousado no alto de suas casas. Envolvo o meu Morro do Borel no aconchego das minhas asas. Abro minha cauda em leque como um lindo milagre de Oxalá.
16 - E assim me ordenou Orunmilá: “Enquanto cresceres, entre o céu e a terra, entre a mata e o rio, entre a África e o Brasil, entre a comunidade do Morro do Borel e a Marquês de Sapucaí, serás grande e imortal no pavilhão de uma escola de samba, que te mostra ao mundo inteiro, no giro da porta-bandeira e no bailar do mestre-sala, espalhando o teu axé”.
Bradem comigo, confirmando em Benin: Eu sou a Tijuca! Eu sou Logun-Edé!
Ore Iye Iye Osun!
Ara unse! Ara unse kòke Odé Erinlé!
Loci, Loci Logun!
Carnavalesco : Edson Pereira
Tupana, criador das boas coisas do mundo, reinava no alto do céu na forma de A’at, o sol, enquanto seu irmão oposto, Yurupari, sob a proteção de Waty, a lua, regia as más na escuridão. Assim, as ações entre os dois deuses estabeleceriam o equilíbrio cíclico de Monã, as forças cósmicas geradoras do universo.
Contam que três irmãos, os varões Yucumã e Ukumã’wató e a bela Anhyã-Muasawê, viviam em Nusokén, uma floresta encantada, abundante, onde até as pedras poderiam falar.
Anhyã-Muasawê era a guardiã, a dona de Nusokén, pois detinha o conhecimento das plantas medicinais. Não existia folha que ela não conhecesse o poder. De tão bonita e habilidosa, todos os animais de Nusokén se enamoraram por ela, o que mergulhava seus irmãos no ciúme.
Certo dia, uma cobra verde tomada de amor usou o perfume de uma flor para atrair Anhyã-Muasawê e com apenas um toque em seu pé a fez engravidar. Quando Yucumã e Ukumã’wató descobriram a gravidez indesejada por eles, possuídos pela má energia de Yurupari, expulsaram a irmã e tomaram para si o controle do paraíso Nusokén, a proibindo de voltar. Ela e a criança que nasceria.
Anhyã-Muasawê vai para uma mata distante dar à luz a Kahu’ê, o kurumin mais bonito e alegre que já existiu. Kahu’ê era uma criança prodigiosa, dizem que começou a tagarelar bem cedo. Olhos vivos, atentos para as muitas perguntas que brotavam de sua curiosidade inocente. Fartava-se dos frutos que a floresta com bom grado lhe dava, mas havia uma iguaria que não era permitida a ninguém e que Kahu’ê se apetitou: a castanha da castanheira sagrada de Nusokén. Aquela, primeira, brotada das patas de uma onça e que estava sendo vigiada pela cotia e pelo macaco, Hanuã-Xuin, a mando dos irmãos Yucumã e Ukumã’wató.
Chegando lá, o kurumin arteiro subiu na árvore e saciou a fome até o cair da noite como se dono fosse daquele fruto proibido. Na verdade, era mesmo herdeiro daquelas terras, já que sua mãe seria senhora de Nusokén por direito.
Ao saberem pelos vigias da violação da castanheira sagrada, os tios de Kahu’ê, obsediados pelo espirito da inveja, invocaram Yuyrupari, que se transformou em uma serpente terrível e tirou a vida do pequeno índio.
Anhyã-Muasawê ouviu o grito de longe, correu em socorro a seu filho, mas não pôde evitar o pior. Uma tristeza súbita tomou aquela terra. O mal de Yurupari parecia ter vencido ao exterminar a existência de Kahuê quando os raios de Tupana rasgaram as nuvens. Ao tocarem o solo, falaram ao coração da mãe ferida que aquela maldade se tornaria bênção. Anhyã-Muasawê se transformou num pássaro, levou seu filho para os arredores do rio Maráw, enterrou os olhos do kurumin e os regou com suas lágrimas.
O olho esquerdo plantou em terras amarelas, do qual nasceu uma planta que não prestava. Era o Waraná-Hôp, o falso guaraná. O olho direito, plantado em terras pretas, gerou o Waraná-Sése, o verdadeiro guaraná. Com ele, Anhyã-Muasawê fez um elixir mágico para longa vida ao povo que floresceria das entranhas de Kahu’ê, enterrado embaixo de uma Abiu’rana. Seu ajudante, o passarinho Karaxué, cantava sua mais bela melodia quando Mary-Aypók nasceu do corpo de Kahu’ê. Era o “originador”, o primeiro Mawé. Tupana deu a ele de presente a língua que só era falada pelos seres de bem que o acompanhavam, chamada Sateré, a lagarta de fogo.
O segundo Mawé nascido da criança enterrada foi Wasary-Pót, o irmão gêmeo do “originador”.
Os irmãos cresceram. Mary-Aypók se casou com Ahút-Piã, a filha do papagaio, e concebeu o significado da palavra Mawé, o papagaio falante. Wasary-Pót desposou com Hano’onapiã’hop, filha da arara-piranga, e seus descendentes dariam as mais belas penas para adornar o povo que surgia.
O bendito kurumin Kahu’ê, fruto da união entre a ancestralidade indígena e os animais, renascia em uma raça de pele vermelha como a cor da pele do sagrado Waranã. Estava iniciada a nação Sateré-Mawé, o povo do guaraná. Descendente do fruto que cura as doenças das almas cansadas, dos fracos, que fortalece e devolve a força, a juventude. Revive.
Organizaram-se em clãs, construíram identidade e desenvolveram ritos e mitos regados a guaraná, pintados e gravados com branco do barro taguatinga, preto do jenipapo e vermelho urucum no remo sagrado Puratig.
Do bastão de guaraná ralado criaram o Çapó para beber nas festas, pajelanças e no Waymat, onde as tucandeiras iniciam os jovens para a vida adulta como símbolo de renascimento sob o comando dos Tuxauas.
Porém, não se engane em pensar que Yurupari descansou de sua maldade predatória, que deixou a vida na floresta em harmonia. Ele se fez ressurgir ao longo do tempo em colonizadores, missionários religiosos enviados às aldeias, caçadores, garimpeiros e madeireiros ilegais, grileiros de terras… Pelos desmatamentos e queimadas, os filhos-demônios de pele clara de Yurupari seguem semeando o caos em nome do capetal.
Mas os filhos do guaraná, peles vermelhas do Brasil, são predestinados, pois apenas povos sábios, de espiritualidade elevada, são capazes de reexistirem encantados pelas matas, acaboclados nos terreiros onde bradam sua força e encontrarem com os espíritos infantis de erês e ibejadas que, quando “chegam”, gostam de tomar guaraná.
Assim, completando o ciclo da eterna renovação, enfim o curumim Kahu’ê é elevado ao paraíso prometido Mawé, Nusokén, ou à Jurema, ou à Aruanda, quando na gira as crianças bebem seu guaraná e vão brincar.
Elas são a prova que o espírito do amor é muito maior que o ódio semeado por Yurupari.
Ele não vai vencer. Ele nunca irá nos exterminar.
Yiurupari jamais triunfará.
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OLIVEIRA, José Henrique Motta de. Das Macumbas à Umbanda: uma análise histórica da construção de uma religião brasileira. Limeira, SP: Editora do Conhecimento, 2008.
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YAMÃ, Yaguarê. Sehaypóri: O livro sagrado do povo Saterê-Mawé. São Paulo: Editora Peirópolis, 2007.
FICHA TÉCNICA
Fundação: 31/12/1931
Cores: Azul Pavão e Amarelo Ouro
Presidente: Fernando Horta
Carnavalesco: Edson Pereira
Mestres de Bateria: Casagrande
Rainha de Bateria: Lexa
Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Matheus André e Lucinha Nobre
Comissão de Frente: Sérgio Lobato
Quadra: Clube dos Portuários – Av. Francisco Bicalho, 47 – Santo Cristo, Rio, RJ Sede - Rua São Miguel, 430, Tijuca – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20530-420
Barracão: Cidade do Samba (Barracão nº 12) - Rua Rivadávia Correa, nº 60 - Gamboa. Cep: 20.220-290